Em 27 de setembro de 1996, o grupo extremista Talibã, com o apoio do Paquistão e com o dinheiro da Arábia Saudita, tomou Cabul e formou o Estado Islâmico do Afeganistão, implantando um regime fanático religioso, ignorante, completamente avesso à cultura e contra todo e qualquer direito das mulheres. Nessa época, já existia no país, desde 1968, uma estatal responsável por sua produção cinematográfica: a Afghan Film Organization (AFO). Essa era responsável não só por produzir, mas também por cuidar de todo o material audiovisual da nação. Milhares de horas de telejornais, documentários destacando reuniões e conferências do governo, e uma grande quantidade de longas-metragens faziam parte desta rica coleção, tão importante à história de seu povo. Contudo isso quase foi totalmente perdido, pois nessa primeira vez que os talibãs tomaram Cabul, logo vieram as ordens de queimar completamente todo o acervo cinematográfico local. No entanto, graças à consciência de um membro Talibã, que era diretor de TV e rádio, e avisou funcionários da AFO com a antecedência necessária, eles conseguiram, mesmo arriscando suas vidas, salvar mais de 8 mil horas de seus filmes. No lugar dos rolos originais, soldados queimaram cópias de produções americanas e indianas achando que era o acervo da Afghan Films.
Por consequência, esse episódio que até parece um filme de Hollywood foi contado pelo cineasta Ariel Nasr, em O Rolo Proibido, 2019, um documentário que mostra a história do cinema afegão, desde a criação de sua agência estatal, passando pelos anos da invasão soviética, até a perseguição cruel do Talibã. Trata-se de uma verdadeira declaração de amor à sétima arte. Outra interessante produção afegã que merece ser vista é a animação Os Olhos de Cabul, 2019, de Zabou Brutman e Eliá Gbbi-Mivelle (disponível no Telecine), inspirado no livro As Andorinhas de Cabul, que traz a vida de Zunaira e Mohsen, um casal apaixonado que enfrenta a miséria de viver sob o comando do regime Talibã até que um dia um ato simples faz com que suas vidas mudem para sempre.
Hoje, a história se repete, pois no último dia 15 de agosto, a capital Cabul foi novamente tomada pelo Talibã, logo após o presidente norte-americano Joe Biden retirar as tropas que ocupavam o país nos últimos 20 anos. O medo e o caos, imediatamente, tomaram conta, como podemos ver nas declarações da atual presidente da Afghan Films (primeira mulher a dirigir a estatal) e diretora de cinema Sahraa Karimi: “O Talibã cercou Cabul. Fui ao banco tirar dinheiro, estava fechado e vazio. Não consigo acreditar que isso aconteceu. Peço outra vez que rezem por nós. Pessoas do mundo, por favor, não fiquem em silêncio. Eles estão vindo nos matar”.
Outras dicas:
A Pedra da Paciência – Apple TV
O Caçador de Pipas – Claro Vídeo
Kandahar – Claro Vídeo
Persépolis – YouTube
Os Olhos de Cabul – Telecine
Sobre o autor da coluna
Michel Abrahão é um cinéfilo paulista, radicado na Paraíba, proprietário da antiga e querida Ribalta Vídeo, referência para todos os moradores de João Pessoa também apaixonados por cinema.